CAMINHO DA PACIÊNCIA

(Por Rafael de Novaes Rocha)

Você lembra o que estava fazendo há dez anos? Quais são suas lembranças do longínquo ano de 2013? Ano marcado por protestos e espera pela Copa do Mundo que se avistava no horizonte. Ano de ebulições e expectativas. Não é pelos vinte centavos! (era); Não vai ter Copa! (teve). A vida certamente era mais simples para mim, um adolescente recém ingressado no ensino médio, que se orgulhava do futebol encantador e hipnotizante que seu time jogava. Um futebol envolvente, vistoso e absoluto – a questão não era se, mas de quanto ganharíamos. Não tenho dúvidas que o leitor que frequenta estas bandas certamente se lembra do time ao qual me refiro.

Mas, caro leitor, você por um acaso se lembra a quantas andavam os atuais times mais poderosos do Brasil, Palmeiras e Flamengo?

Faço questão de refrescar a memória dos mais esquecidos. O Palmeiras era o atual campeão da Copa do Brasil. Porém, assim como ao Cruzeiro, isso havia lhe custado o rebaixamento à Série B. Há dez anos, o Palmeiras amargava a segunda divisão. Já o Flamengo, apesar de não ter conhecido a queda, flertou com o fantasma do descenso até o fim do campeonato daquele ano. Fortes emoções. Perdeu pontos pela escalação irregular de jogadores e ficou em 16º. Foi beneficiado pela também perda de pontos mui suspeita da Portuguesa.

O exercício da memória é sempre positivo. E pode ser bastante didático. Ao longo de dez anos, esses dois times saíram da lama ao posto de mais ricos do Brasil. Ricos de fato. Sim, é verdade, o Palmeiras com ajuda de um injusto doping financeiro por anos, até caminhar com suas próprias pernas; já o Flamengo, devemos levar em conta que sempre ostentou as maiores receitas do Brasil. Mas fato é que ambos penaram muito até chegar onde estão. E souberam investir mais na reestruturação do que na gastança desenfreada. Tiveram paciência com times terríveis e oscilações constantes. Certamente as torcidas xingaram muito nesses dez anos. Reclamaram, espernearam e se frustraram. E valeu a pena? Bom, só insanos ou torcedores do Real Madrid não gostariam de ter os elencos atuais de Palmeiras e Flamengo.

Dez anos se passaram desde aquele ano mágico de 2013. Nesse período, apesar dos títulos, o Cruzeiro foi arruinado por sucessivas gestões desastrosas. Dilapidado por criminosos sevandijas. Casos de polícia. E depois de um longuíssimo período de absoluta terra arrasada, estamos finalmente recolhendo os cacos, arrumando a casa. 2023 é apenas o segundo ano de nossa reconstrução. Parte da nossa torcida, no entanto, insiste em se iludir que nosso time deve sempre ganhar de todos, ter os melhores jogadores. Não é mais soberba, chega a ser ignorância completa do que passamos e do momento em que estamos.

O que foi nos prometido no início do ano? “Nosso objetivo no ano de 2023 é permanecer na Série A. Vamos montar um time modesto, mas competitivo. A meta é ficar ali pelo meio da tabela. Vai ser muito difícil, mas vai dar certo”. Oras, o que esperar do nosso atual Cruzeiro senão isso? Expectativas baixas. Morremos de ódio com os erros constantes de Oliveira? Sim! É de perder noites de sono a quantidade de gols que perdemos por jogo? É! Não aguentamos mais ver o suposto Henrique Ceifador em campo? Não, pelo amor de deus, parem com esse sofrimento. Mas tudo isso faz parte do nosso longo processo de reconstrução.

O Cruzeiro vem fazendo uma temporada oscilante. Porém a quantidade de times piores que o nosso dá alívio e confiança de que o pouco que nos foi prometido será cumprido. Está difícil – como bem avisaram. A paciência é o caminho para um futuro melhor, mais azulado. Gigante como o Cruzeiro merece.

BATE PAPO NO QUINTAL

1. Independência ou morte! – A morte, no caso, virá se o Cruzeiro insistir em mandar seus jogos de 2023 no Mineirão. O estado do gramado dá a medida do descaso da Minas Arena com o futebol. O Cruzeiro de Pepa provou por A + B que não consegue jogar em um pasto de condições tão deploráveis. E os números falam por si só. Em 2023, são três jogos e três derrotas no Gigante da Pampulha. O Cruzeiro precisa de uma casa fixa, e ela deve ser o Independência, pelo menos neste ano. Ano que vem, se não houver mais eventos musicais que jogos na casa de shows mais badalada da Pampulha, o Mineirão poderá ter a honra de receber partidas do Cruzeiro e sua apaixonada torcida.

2. Só a base salva – Voltando ao tema da coluna, a base certamente é um dos caminhos mais claros para a reconstrução. Revelar jóias e vender por muitas cifras é uma solução. Infelizmente, o Cruzeiro teve absoluto descaso com sua base nos últimos anos. Sem entrar em detalhes, só os nomes de Victor Roque, Maurício e Estevão já levam uma multidão de cruzeirenses a suspirar lamentos. Mas uma coisa é certa: a torcida do Cruzeiro precisa ter mais paciência com seus jovens talentos. Qualquer erro mínimo, já começa uma enxurrada de comparações com Allano, Elber e afins. Não se criam talentos assim.

3. O bom filho – Está de volta o volante Lucas Silva. Apesar de ter votado contra o nosso plano de recuperação judicial, abriu mão dos valores que tinha a receber do Grêmio para facilitar sua volta ao Maior de Minas™. Jogou muita bola por aqui – bicampeão brasileiro e da Copa do Brasil. Aliás, o Cruzeiro foi o único lugar onde de fato conseguiu jogar bem. É querido pela torcida e deve dar muita qualidade ao nosso meio de campo.

4. Udiano, inaugura excelente forma de manifestar-se neste QUINTAL, colocando a própria foto. Se a moda pega, ficaremos livres desses fakes absurdos. E levanta interessante questão técnica: se estamos em abstinência de gol por falta de centroavante, porque não darmos chance ao Edu?

Apoio total. Certeza absoluta de que pior do que está não fica!

5. Marcos Mineiro focando as críticas da imprensa do eixo à vitória do Cruzeiro contra o São Paulo. Não demos um chute a gol e vencemos por 1 x 0, gol contra do lateral Rafinha. E daí?  Em outras partidas, finalizamos dez vezes mais que os adversários, e perdemos.

6. Bernard José de Assis, com elogiável isenção, analisa os momentos de Cruzeiro e Atlético. Vê como “objetiva e cautelosa” a gestão de Ronaldo. Para o Atlético:

“Encontra-se envolto em vários dilemas simultâneos, um turbilhão. E a parte esportiva ainda está cambaleante. Os próximos capítulos prometem muita tensão.”

7. Jorge focaliza a semana atípica vivida pelos times mineiros, não economizando generosidade na análise da derrota atleticana ante o Fortaleza: “Os maiores times do mundo acabam tendo algumas derrotas ao longo da temporada. Com o Atlético não seria diferente.”

Enquanto coloca o seu Clube no rol dos “maiores do mundo”, Jorge tripudia sobre a vitória do Cruzeiro – 1 x 0 – sem ter dado sequer um chute a gol. O tema já foi abordado linhas acima. Vinham se repetindo jogos em que o Cruzeiro finalizava 20 vezes e não marcava. Contra o São Paulo houve uma inversão milagrosa: não demos um chute a gol e vencemos. Óbvio que o ideal não é nem uma situação nem outra.

Depois Jorge faz corajosas revelações: nunca viu a hegemonia azul em Minas e acha os títulos regionais do Atlético superiores às conquistas do Cruzeiro…

Meu caro Jorge, assente-se, tome um copo d´água, releia o que escreveu e, se quiser, pelo seu passado neste QUINTAL, mandamos excluir das notas taquigráficas. 

8. Festival de Cinema de Ouro Preto – tradicional e vitoriosa iniciativa do CINEOP, leia-se Raquel Hallak, exibiu segunda-feira, em pré-estreia, o filme “Zé”. É pra assistir de joelhos. Aborda o brutal assassinato de José Carlos Novais da Mata, jovem filho do prof. Edgar da Mata Machado, durante os anos de chumbo. Tive o privilégio de ser aluno do prof. Edgar, na Faculdade Federal de Direito. Parecia flutuar na sala de aulas, tamanha a interação com a classe, a gentileza, a inteligência, a bondade de alma. Samarone Lima, jornalista e poeta recifense escreveu o livro e coube ao meu filho Fernando Rocha, oferecer um recomendado exemplar ao cineasta Rafael Conde. Foi a semente de um grande filme, que não se pode perder.

9. Augusto erra dosagem do Chá de Cogumelos, incorpora espírito do padre espanhol Crisóstomo Sepúlveda Alvarez, “mais conhecido como CSA”, e produz texto psicodélico agora em exame pelo Conselho de Sábios da Grande Bom Despacho.  Em decisão liminar, o Conselho manda advertência: nunca escreva uma linha, sequer, após derrota do Atlético e vitória do Cruzeiro.

10. Luiz Barcelos, resignado:

“Vendo Palmeiras e Flamengo jogando ontem (domingo) percebi que não são só os jogadores do nosso Cabuloso que lançam bola sem rumo!”

Meu caro Luiz, também vi. Também pensei. Acontece que há diferenças básicas: O percentual de erros nossos é muito maior e quanto às finalizações, na hora em que é imprescindível técnica eles costumam acertar.

11. Bruno Araújo de Carvalho, com os pés no chão:

“Contra números não há argumentos… Neste ano, o estádio do América vem trazendo no mínimo uma sintonia diferente ao Cabuloso nos jogos que lá jogamos e vencemos. (…) O que importa neste primeiro ano de retorno à Série A são os 45 pontos e nos mantermos na Primeira Divisão Nacional…”

Bruno parabéns por ter calçado as sandálias da humildade. Elas não fazem mal a ninguém. Não nos esqueçamos NUNCA que ainda somos sobreviventes de guerra. Sofremos, primeiro, o flagelo do tsunami interno que arrasou nossos recursos e nos deixou exangue. Foi neste estado de miserabilidade que, um mês depois, veio a avalanche da pandemia mundial. Ela nos encontrou no chão e, por isso, a primeira consequência terrível foram os três anos na Série B. Quantos anos ficaria o Atlético na B, sob as mesmas e cruéis circunstâncias? Na época, Felipão, no Cruzeiro, proclamou que a meta era não cair para a Série C.

É proibido esquecer! Os amalucados rivais alvinegros insistem numa piada que já está ficando até chata: “Porque só o Cruzeiro reclama da pandemia?” Ah, é?

12. Eduardo Silva, faz imersão histórica no campeonato mineiro, desde os tempos de Cidinho “Bola Nossa” e Cléver Assunção, com apoio em textos de cronistas esportivos e levantamentos estatísticos. Minuciosa e elogiável pesquisa.  Os resultados são estarrecedores.  Como já comentando neste QUINTAL, grande percentagem dos títulos de campeão mineiro do Atlético tem as digitais da Mão Grande. Vergonha.      

GARIMPO

“O desespero eu aguento. O que me apavora é essa esperança.”

(Millor Fernandes)

Colaboração de Teobaldo.